Crónica de Jorge C Ferreira | O planeta azul

Jorge C Ferreira

 

O planeta azul
por Jorge C Ferreira

 

Meu mundo, minha bola achatada nos polos, meu quase redondo sonho. Bola que quero ver saltitar de alegria e que, no entanto, só nos vai dando tristezas. Temos de fazer deste planeta azul, uma azul forma de viver. Temos de fazer nossa a missão de alcançar a paz e a concórdia. Aceitar cada qual apesar das suas diferenças.

Já me senti quase fora desde planeta. Quando cheguei ao Cabo Horn e quando percorri as ruas de Longyearbyean no arquipélago de Svalbard. Senti-me descobridor quando atravessei o Estreito de Magalhães entre Ushuaia e Punta Arenas. Num lugar os ursos polares, no outro os pinguins. Tudo bem arrumado e no seu lugar. Nem uma guerra é conhecida entre estas espécies.

Todos esperamos o dia em que uma aurora boreal nos ilumine e como num truque de ilusionismo nos leve a aceitar todas as cores e nos faça abrir um sorriso que acabe numa gargalhada há tanto desejada. Quando conseguirmos dominar a euforia e a tristeza conseguiremos, talvez, a paz tão ambicionada. Os egos da raça humana são enormes e, por vezes, matam. Temos de aprender o dom da humildade. Temos de ser capazes de rir de nós. Só assim seremos inteiros.

Damos a volta a um continente inteiro e vemos muitos povos que falam, quase todos, a mesma língua. As tribos que desapareceram, os países que foram desenhados a régua e esquadro e as guerras que começaram a crescer. Temos de aceitar o modo de viver de cada um. Deixar que sejam felizes no seu modo de viver. Respeitar a sua cultura. Será assim que nós nos sentiremos mais livres.

A loucura da sociedade de consumo que cria as necessidades antes de nos vender os produtos. Uma máquina trituradora. É muito fruto dela que aqueles polos de que vos falei correm perigo. O nosso planeta corre perigo. A nossa tendência para o suicídio colectivo é tremenda. Penso existir uma juventude com vontade para lutar contra a destruição do planeta. Espero não me enganar.

As armas, a indústria de armamento. Outra loucura sem fim. Uma corrida desenfreada. Todos à procura de conseguir o mais destruidor de todos os mísseis. Uma corrida sem fim. Muitos milhares de maratonas. Quando todas as inteligências gastas em armas de destruição se decidirem a trabalhar para o bem, iremos ser mais felizes. Senão, teremos uma noite eterna e nunca mais veremos uma aurora boreal.

Tenho um par de sapatos para o inverno e outros para o verão. Os ténis já não me servem para nada. Já não corro para nada, nem lado algum. O casaco é sempre o mesmo. Também um para o Inverno e outro para o Verão. Já só gosto de coisas confortáveis e que cumpram a sua função. Quem me vê todos os dias sabe que estou a falar verdade. Não tenho um único fato. Tenho, mas não me servem. A Isabel, com a sua mania de guardar tudo, lá deixa estar aqueles monos. Precisamos de muito pouco.

Fui perdendo os meus vícios. O tabaco, as bebidas alcoólicas, os fatos, as camisas e as gravatas a combinar. Os sapatos da moda. Abandonei a moda. Aprendi a saber conhecer-me. Vou-me desfazendo de coisas. Assim farei, até me desfazer de mim.

«Olha lá, tu ainda tens muita tralha para aí.»

Fala de Isaurinda.

«Coisas antigas, coisas que já não uso.»

Respondo.

«Isso tens razão, por vezes sais de casa pareces um sem abrigo.»

De novo Isaurinda e vai, um sorriso maroto no rosto.

Jorge C Ferreira Abril/2023(393)

 


Jorge C. Ferreira
Jorge C. Ferreira (n.1949, Lisboa), aprendeu a ler com o Diário de Notícias antes de ir para a escola. Fez o curso Comercial na velhinha Veiga Beirão e ingressou na vida activa com apenas 15 anos. Estudou à noite. Foi bancário durante 36 anos. Tem frequentado oficinas de poesia e cursos de escrita criativa. Publica, desde 2014, uma crónica semanal no Jornal de Mafra. Como autor participou nas seguintes obras: Antologia Poética Luso-Francófona À Sombra do Silêncio/À L’Ombre du Silence, na Antologia Galaico-Portuguesa Poetas do Reencontro e A Norte do Futuro, homenagem poética a Paul Celan.  Em 2020 Editou o seu primeiro livro: A Volta À Vida Á Volta do Mundo; em 2021 Desaguo numa imensa sombra. Dois livros editados pela Poética Edições.

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17 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | O planeta azul”

  1. Locais magníficos a visitar do nosso Portugal.
    Já tive esse privilégio também, o qual estou agradecido.

  2. maria fernanda morais aires gonçalves

    Esta semana andei pelo caminho caminho das cegonhas. Já ia na auto estrada em direcção ao sul e as cegonhas estavam instaladas em seus ninhos enormes nos cabos de e suportes para electricidade, autenticos andares de prédios de moradias para cegonhas. Lembrei-me de um dia em Lisboa em que houve em Lisboa um apagão em Lisboa, Lisboa à escura durante muitas horas disseram que tinha sido causado por real cegonha..
    Voltamos para Sines e daqui para Porto Covo. O objectivo da nossa pequena viagem foi visitar algumas das mais bonitas praias da Costa Alentejana. COmo tudo está Belo! Nesta altura do ano com muito poucos banhista no mar e nas praias.
    O apartamento escolhido foi em Porto Covo , cidade que está muito bem cuidada, coerente nos seus tons de azul e branco. ordenada, lojinhas de artesanato , a padaria, os pequenos restaurantes todos com esplanada onde não falta o produto do mar, o marisco um largo fantástico
    co com banco de jardim onde nos sentamos e à volta temos as casinhas baixas de traça alentejana com o célebre postigo. Olhamos para cima e é só céu azul e almofadinhas de nuvens brancas.
    De manhã cedinho onde vais tu? Ilha do Pessegueiro é o destino. Poes Rui Veloso a Cantar e voltas atrás no tempo. Tens outra vez sonhos e danças na areia. Olhas a Ilha que vê-te e a falésia fixa
    em ti o pensamento, diz-te que sigas, tens ainda muito para ver.
    Lá vamos nós em direcção a Vila Nova de Mil Fontes, Zambujeira do Mar, Cabo Sardão, deste Cabo tenho que te falar.
    Há muito anos tinha aqui estado com o meu filho pequeno, fazíamos férias em Odeceixe, onde não fui desta vez, o tempo não deu para todas.
    O Cabo Sardão de que ninguém fala, é dos locais mais lindos que Portugal tem junto ao mar.
    Tem o Farol e a casa do faroleiro com a sua história como todos os cabos.
    Está muito bem preservado e depois tem um jardim feito por Deus.
    Tens muitos arbustos de estevas floridas brilhantes das suas folhas verdes cheias de cola brilhantes, imensas flores de todas as cores dispostas pelo Jardineiro em canteiro em variedades por caminhos onde podes andar e fotografar se for essa a tua vontade. à volta andam borboletas e outros pequenos insectos maravilhosos.
    Olhas para o cenário que tens em frente, o mar e seus rochedos. Soberbo!
    Nas rochas tens então aquilo que é único no nosso País. Cegonhas a nidificar ao cimo dos rochedos. Imponentos. Onde ninguém pode chegar.
    Elas concedem-te o direito de poderes Ver.

    Maria Fernanda Morais

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Fernanda. Que belos caminhos trilhaste. Saber ver o que muitos ignoram é uma arte, uma sabedoria. Obrigado por trazeres para aqui as tuas belas experiências. A minha gratidão. Abraço enorme

  3. Maria Matos

    Maria Matos, 4/05/2023, 16.38.
    Que prazer voltar a lê-lo após este breve, que me pareceu longo, interregno.
    Adorei a crónica…
    É isso que todos queremos, um mundo de paz, sem guerras, um mundo sem cinzento… azul e forte!
    Auroras boreais, brilhantes… que prazer!
    Imagine do Jonh Lennon, é do que me lembro!
    Obrigada. Nunca deixe de nos comunicar , aquilo que escreve tão bem. Abraço

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Maria Matos. Imaginar um mundo diferente. Procurar gente sã. Não aceitar todas as narrativas que nos querem impingir. Acreditar nas utopias. Merecemos outra vida. Muito grato pela sua presença e o seu comentário. Abraço.

  4. Maria Luiza Caetano Caetano

    Fiquei contente, voltou.
    Para escrever tão maravilhosa Crónica. Só escreve assim, quem conhece e é tanto. Quase até ao fim do mundo e ver a aurora boreal. E encontrar-se entre ursos e pinguins, vivendo em perfeita harmonia. Nem uma guerra. Por lá não há armas, nem exércitos. Gosto sempre da verdade da sua escrita, assim vai o planeta azul, que habitamos. Grata, meu escritor de eleição.
    Abraço enorme.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Maria Luiza. Eu é que agradeço imenso a sua sempre importante presença neste nosso espaço. Do Polo Norte, ao Polo Sul. Dos ursos até aos pinguins. Conhecer outra gente, outro modo de viver. Saber olhar. A minha imensa gratidão. Abraço grande

  5. Eulália Coutinho Pereira

    Como é bom voltar a ler as suas crônicas,meu Amigo. Bom regresso.
    Excelente. O mundo onde imperam os interesses económicos. A solidariedade foi esquecida. As diferenças cada vez maiores. Os poderosos esquecem os seres humanos. Tanto têm a aprender com os animais. A luta desigual.
    Não era está a herança que queria deixar aos meus netos.
    Já sentia falta dos comentários com o toque de humor de Isaurinda.
    A vida vai- nos ensinando a valorizar o bem estar. Para trás vai ficando o bem parecer.
    Obrigada por estar desse lado.
    Grande abraço

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Eulália. Viver é conhecer o mundo e as diversas vivências. Saber respeitar o modo de vida do outro. Ser solidário. Lutar por um mundo novo. Amar as pessoas. A minha gratidão pela sua presença e pelo seu comentário. Abraço enorme

  6. José Luís Outono

    Caro amigo, que bom voltar a ler-te e reflectir esses prazeres de leitura, do teu traço ímpar.
    Tão directo no teu sentir, num olhar muito pessoal do teu ser e estar, no avanço do calendário onde desafias este mundo envolvente, e ditas preocupações de todos nós, quando o azul fica cada vez mais cinzento escuro pelas mãos irracionais de loucos guerreiros sem vínculo de consciência.
    Uma vez mais, o teu toque final, desafia o humor de Isaurinda, e o meu mantém-se … nunca pares, apesar de já teres excluído algumas “passeatas” do teu calendário.
    Grande Abraço!

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado, José Luís. Poeta. Os teus comentários são certeiros. Andar á volta do mundo e fazer o mundo andar. Acreditar na mudança. Grato pela tua presença. Grande abraço

  7. Branca Maria Ruas

    Um mundo de Paz onde todos se respeitem.
    Um planeta onde se respeite e preserve a natureza.
    Um mundo onde todos se comportem com civismo e respeitem as diferenças.
    Um mundo onde todos possam ser o que desejarem, vivam de forma livre, honesta e se comportem com dignidade.
    Um mundo fraterno e solidário.
    Por vezes penso que seria tão natural se assim fosse.
    E todos poderíamos ser muito mais felizes…
    Tenho alguma esperança nas gerações futuras mas tenho perfeita noção de que nunca viverei no mundo com que sonhei.
    E é pena…
    Termino com a voz do Louis Armstrong a soar-me nos ouvidos a cantar uma das músicas da minha vida: “What a wonderful world”

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Maria. Também eu acredito na nova geração. Vamos ver como defendem este nosso planeta. Nós temos de continuar solidários e inteiros. Termino a cantar essa música contigo. Muito grato pela tua presença. Abraço grande

  8. Filomena Geraldes

    Jorge.
    Quem dera a aurora boreal…
    Esse expoente de luz e cor, o lugar onde tudo é possível. Até aceitar que
    somos pequenos, efémeros e dispensáveis.
    Mas existe um outro lado do espelho.
    O egóico e materialista.O que torna
    o homem um ser hediondo capaz das maiores atrocidades. Desrespeito pelo outro, guerras facínoras, desprezo e uso
    excessivo das riquezas naturais deste nosso planeta. A cobiça, a ganância e a falta de escrúpulos estão a pôr em risco o lugar que nos serve de lar. O planeta azul.
    Tocaste na ferida. Ela sangra…
    Mal de descuido, desleixo e desinteresse. Talvez a nova geração, quem sabe.Talvez uma juventude esforçada e dedicada seja capaz de ainda conseguir abraçar o mundo
    com afecto, zelo e cuidado.
    Há que o reinventar. Não o dividir com régua e esquadro. Não permitir que o agridam. O esquartejem.Não
    deixar que o armamento seja moeda de troca!
    Temos que mudar as mentalidades mesquinhas e consumistas, meu amigo.
    Voltaste como és.
    Com a tua opinião concreta, frontal,
    límpida e honesta. Ou não fosses tu um dos nossos cronista de eleição!
    Não me acostumo a ir directamente ao espaço destinado ao comentário. Gosto sempre de ouvir a tua apreciação.
    Estou contente. Voltaste! Com os teus dois casacos, o de Verão e o de Inverno. Sem adornos inúteis. Sem requintes extremados.Sabes, gosto de te ver assim…
    Obrigada!

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Mena. Tu trazes sempre uma aurota boreal para este espaço. O teu belíssimo comentário. Também acredito numa certs nova geração para dar a volta a isto. Somos o princípio e o fim do mundo. Já me senti invisível em determinados lugares. Minúsculo ser. Muito grato por estares aqui. Abraço grande.

  9. Fernanda Luís

    Bem-vindo Jorge!
    Gostei imenso da crónica.
    Que hei-de dizer?
    Que o planeta já não é azul, mas cinzento?!
    Faz-me lembrar quando vi pela primeira vez o rio Danúbio. De azul, nada. Deve ter sido a partir daí que fui perdendo muito do romantismo que me animava.
    Sou ecologista assumidamente. Vamos aprendendo com os tempos e abraçando novas lutas.
    Sou pacifista e nunca tinha pensado a fundo que a liberdade e a democracia precisariam de armas para serem defendidas. Trágico, terrível, chegar a esta conclusão. Até nos falta o ar …
    Defendo desde há muito a multicularidade.
    Amo todos os arcos-íris.
    Abraço do tamanho do planeta “azul”

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Fernanda. Temos de lutar por um mundo melhor. Temos de ser inteiros, verdadeiros, corajosos. Temos de acreditar numa nova geração capaz de presevar este planeta. Muito grato pela sua presença e o seu comentário. Abraço.

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